18 de julho de 2010

Letras 49

" III. O CARATER IDEALISTA

Nem dante conseguiria elevar Gil Blas, Sancho e Tartufo ao ponto mais alto do paraíso onde moram Cyrano, Quixote e Stockmann. São dois mundos morais, duas raças, dois temperamentos: Sombras e Homens. Seres desiguais não podem pensar da mesma maneira. Sempre haverá um contraste evidente entre o servilismo e a dignidade, a mediocridade e o gênio, a hipocrisia e a virtude. A imaginação dotará alguns de impulso original para o perfeito; a imitação organizará em outros os hábitos coletivos. Sempre haverá, por força, idealistas e medíocres.

O aperfeiçoamento humano se realiza em ritmo diferente nas sociedades e nos indivíduos. A maioria possui uma experiência subordinada ao passado: rotinas, preconceitos, domesticidade. Os poucos eleitos não variam: ao contrário de Anteu, que ganhava um novo ânimo quando tocava o céu, aqueles recobram-no ao fixar o olhar nas constelações distantes e aparentemente inacessíveis. Esses homens, que buscam a perfeição e estão predispostos a se emanciparem de seu rebanho, são os "idealistas". A unidade do gênero não depende do conteúdo intrínseco de seus ideais, mas de seu caráter: é idealista aquele que persegue as quimeras mais contraditórias, desde que elas impliquem em exaltação. Os espíritos iluminados por algum ideal são adversários da mediocridade: sonhadores contra os utilitário, entusiastas contra os apáticos, generosos contra os calculistas, indisciplinados contras os dogmáticos. É alguém ou algo contra os que não são ninguém nem nada. Todo idealista é um homem qualitativo: possui o sentido das diferenças que lhe permitem distinguir entre o mau que observa e o melhor que imagina. Os homens sem ideais são quantitativos: podem apreciar o mais e o menos, mas nunca distinquem o melhor do pior."

O Homem Medíocre - José Ingenieros

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